segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Meu Eu Retorcido - por Taisa Pinheiro

Havia no canto da boca um laivo de despedida embebido de saliva e ausência. Gesticulando deixava transparecer na língua a queda úmida de palavras densas e não ditas que aos poucos desbotavam , deixando um gosto ocre e um torpor amarelecido por entre os dentes.
Uma distância imensa: céu da boca.
Nódoas tingidas de lágrimas desciam surdamente engolidas em traquéias e a meios tons de angústia.
-Uma distância imensa – repetia.
Trouxe as mãos ao pescoço como se pudesse exteriorizar seu sufocamento. As pulsações- dedos e átrios – era lenta e o ar ainda entrava facilmente , as unhas ficavam um pouco roxas naquela compressão , pouco doía .
- “Finge tão completamente que chega a fingir que é dor , a dor que deveras sente”- pensava em devaneio ensimesmado .
As linhas das mãos , que respiravam sobre a epiderme , escorriam irregulares dentre as falanges e os mananciais da palma , perpassavam veias , que lhes eram mais profundas , formando destinos inevitáveis , ramificados sob o leito de pequenos estuários , sangue e só .
Meneava a cabeça em esquecimento, tinha seus pensamentos abrandados pela inconsciência.
- Nem quiromancia intercede pelos destinos avessos.

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Escravos do Neoliberalismo

Por várias vezes fui questionado da minha escolha em abandonar a faculdade de engenharia automobilística - eu disse a faculdade, não a paixão por automóveis, nem mesmo despresando a engenharia - e mergulhar de cabeça no curso superior de jornalismo, já que esta profissão não tem mais a obrigatoriedade de um diploma. Minhas respostas nunca fugiram do óbvio: "paixão", "ideal de vida", "necessidade de viver em um mundo mais culto" e "escrever engrandece e me dá prazer".

O real motivo sempre foi próximo à minha realidade e gosto pela leitura e a arte de escrever. Talvez existam equívocos da parte dos que me fizeram esse tipo de pergunta, em sua maioria.

Todo curso superior tem um propósito muito mais nobre que definir a profissão, é algo que aperfeiçoa as qualidades únicas de cada indivíduo, que direciona a vocação ao campo vizinho à perfeição e profissionalismo. Pra qualquer alienado ou irresponsável, não é mais que o lugar onde se recebe o diploma para trabalhar em algo que os permita comprar suas bugigangas. Não só a faculdade de jornalismo, é onde os verdadeiros diamentes são lapidados.

Para ser um jornalista não é necessário ter frequentado a univerdidade, nada ensima mais que trabalhar em uma redação, mas várias portas abertas surgem no meio universitário e a amplidão de pensamentos vem como algo natural, graças ao que estudamos.

Caros leitores, amigos e desconhecidos, viver em plena felicidade, realizando sonhos e tentando ser cada dia melhor e mais sábio, reconhecendo também a pequenez de nossos conhecimentos e, com isso, a grandeza de nossas almas e voraz capacidade de bater de nossos corações está intimamente ligado a valorizar quem sabe o que quer ou, pelo menos, o que não quer. Não quero ser um escravo do neoliberalismo que vive com as mãos atadas às costas, melhor ser flagelo do mundo e ter aval o Divino de ser quem eu sou.

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Sobre "A Festa da Menina Morta"

Dirigido por Matheus Nachtergaele, lançado em 2008, o longa de 115 minutos chama a atenção principalmente pela relação com o tempo. Tudo passa muito devagar, grande parte das cenas é uma demonstração do marasmo em que vive a população ribeirinha.

De grande polêmica, o filme provoca sensações diversas nos espectadores. Até mesmo em Cannes, onde foi exibido na mostra Un Certain Regarde, alguns presentes deixaram a sala de exibições durante a sessão. Se nesta não foi premiado, o mesmo não aconteceu em Havana, Los Angeles, Chicago, Gramado e Rio de Janeiro.

A história se desenrola numa cidade onde, há duas décadas, é celebrada uma festa onde todos buscam ter a benção de um jovem santo, interpretado por Daniel de Oliveira, o Santinho, que, após o suicídio da mãe, recebeu da boca de um cachorro os trapos do vestido da menina que desapareceu e fala, em transe, todo ano, incorporando esta.

Várias sequências de sexo entre o Santinho e o pai, Jackson Antunes, aparecem durante o longa, não sendo essas os únicos momentos fortes.

Conta ainda com Dira Paes, Cássia Kiss e atores pertencentes à comunidade ribeirinha onde o filme foi gravado.

O roteiro, além de Nachtergaele, conta com a criação de Hilton Lacerda, um outro pernambucano e que ajudou Cláudio Assis em outros dois filmes bem polêmicos, "Amarelo Manga" e "Baixio das Bestas", que procuram confrontar padrões.

É uma contraposição do sagrado e do profano, e centra-se no poder do misticismo. Não aspira ser um filme leve e simples, muito menos digestivo e a ferocidade dos excessos do diretor vêm retratar um Brasil arcaico, primitivo e feroz. Isso traz a imipressão que, deste filme, nasce um novo diretor, sério, engajado e comprometido com o cinema.

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Sobre o "Resgate dos Novos Baianos"


O irreverente cantor Luiz Galvão, em tom de alegria e anarquismo, comenta, no documentário "Filhos de João - Admirável Mundo Novo Baiano", que "faz 17 anos que não fuma maconha nem bebe vinho." E ainda acrescenta: "O que é bom, porque eu poderia ter me transformado num terrorista." Esse longa foi o primeiro filme exibido no 42º Festival de Brasília, na última semana do mês anterior.

Com a proposta de resgatar a tragetória do grupo que sacudiu e estremeceu o Brasil todo, os envolvidos nessa história fizeram rememorações que foram gravadas por Henrique Dantas e equipe. Foi uma fase de dez anos - 1969 a 1979 - marcada pelo swing dos Novos Baianos que, ainda hoje, tem expressão e é referência para uma restrita, mas não inativa, classe de jovens. Uma figura primordial durante essa época foi o baiano bossanovista João Gilberto, grande responsável pela ascensão da banda. Dantas acrescenta que "aquilo que é testemunhado hoje, amanhã pode ser narrado de forma completamente diferente". A tese que ligava os Novos Baianos ao mundo foi a crença em eles serem "filhos" de João Gilberto.

O orçamento do filme foi restrito - cerca de R$21 mil. Os trabalhos da produção ocorreram nos últimos 11 anos e registra depoimentos memoráveis de quase todos os integrantes do grupo e ainda falas de Tom Zé a respeito dos conterrâneos, fora imagens de arquivo raríssimas e cenas basilares do cinema baiano como "Superoutro" de Edgard Navarro, 1989 e "Meteorango Kid" sob o comando de André Luiz Oliveira, de 20 anos antes.

Os "Filhos de João" tem dois fantasmas que os ronda. O primeiro e nada surpreendente foi a ausência do recluso "pai" que aparece apenas em uma única foto e nos depoimentos. O outro é Baby Consuelo, atual Baby do Brasil, que aparece em arquivo durante o filme todo mas não aparece dando seu depoimento. Foram gravadas cerca de três horas de conversa com a cantora, disse Dantas, "Foi maravilhoso. No fim eu queria casar com ela", arrematou. Após toda a edição do longa, a autorização de Baby para utilização da entrevista não foi conseguida e o filme só pode ser apresentado sem sua participação, necessitando de total reconstrução.

O longa é uma dica tanto para cinéfilos quanto para apaixonados por música e torna mais gratificante a sua apreciação quando de maneira acrítica.